domingo, 30 de agosto de 2009

Poente

Posto esse texto que segue abaixo, que apesar de tê-lo escrito como uma homenagem para meu avô em seu aniversário ano passado, acabei não tendo a oportunidade de usá-lo. Hoje, infelizmente, a oportunidade se fez e usarei como homenagem para uma outra pessoa, tão merecedora quanto. Pessoa que foi cedo demais, e tão inesperadamente que não nos deu a chance de uma despedida. Mas que ficou tempo suficiente para eternizar sua essência. É difícil colocar em palavras todo amor e também dor que ficou de tudo isso, de tantos anos, toda minha vida. Resta então o silêncio.
Vó, todo o amor do mundo é pouco, mas mesmo assim insisto, te amo.

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Poente
Gabriela Prado





Tempo que passa levando vontades
Tempo que foge e nos rouba amores
Tempo sóbrio, tempo único
Tempo faminto que me consome tão rápido

E me afoga, e me inunda
E corrói tolos sonhos

Tempo que não é meu
E ainda assim me leva embora
Que canta minha canção
Conta aos frescos minha memória

E diz tão doce em tom amigo
Que o tempo é curto. Para mim demora

Aquele mesmo que me apaga à anônimos
Nos faz eterno a quem adora
Destila atos no esquecimento
Complexos pedaços de mim, de glória

Torna-me herói por um momento
E torna mito a minha história.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ilusão


Ilusão

Gabriela Prado




Que ilusão

Inocência acreditar

Pequenas possibilidades

Sonhos rasos
Prontos pra transbordar


Cochilo afrodisíaco
Aquele em que posso te ver
Que posso finalmente te ter
Que posso finalmente te tocar


Que ilusão
Realidade improvável
Utopia adorável
Com a credibilidade de uma ficção


Você tão perto
Tão intocável
Cercado pelos vidros embaçados
Que dissecam minha esperança em frustração


Criança ingênua
Com paixão de contos de fada
Pode parecer coisa bizarra
Mas o que nos eleva mais
Que fantasiar


Agora enxergo
Com a adrenalina de uma facada
Que não foram as palavras caladas
E sim destino imposto
Contra gosto ao meu amar

Fora de tom

Fora de tom
Gabriela Prado




Ele dizia gostar de cantar, de compor, mas já fazia tempo escrevia coisas que não sabia o que eram. Sua boca se movia em uma inércia constante, ele não sentia mais suas palavras.
Mas suas letras ainda feriam os olhos de mentes ingênuas, fazia despejar gotas quentes nos rostos virgens, cobertos de pureza. A pureza é assim, carrega uma palheta de sentimentos tão frescos, tão coloridos, para ele lembrava um pouco o céu...
... tão forte... tão sereno.
Como qualquer artista, um dia ele sentiu tudo aquilo, um grito de tudo, de vida. A dor, o êxtase e finalmente as lágrimas corriam e saltavam quando sua nova canção era abafada pelo som das risadas cansadas. Ele ainda lembrava desse dia, que hoje soava tão falso. Talvez tivesse sido apenas um sonho, quem sabe o frio de seu coração não estivesse congelando também seus pensamentos.
Pensamentos... é às vezes ele lembrava... às vezes ele queria poder odiá-la novamente, se ao menos conseguisse trazer o ódio de volta à memória...
Aquela bruxa o enfeitiçou sem sombra de dúvidas, bruxa do pior tipo era aquela mulher. Fez com que ele, tão vivo, se tornasse um fantoche, um boneco. Homem seco, cético, só...

...abandonado por ele próprio.

Engraçado pensar agora, tantas vezes foi o amor o tema de suas composições.
Amor, o sentimento que venerava, apesar de não conhecê-lo. Talvez fosse essa a razão.
Faz tanto tempo...

Já era bem tarde quando deixou o Boteco do Boêmio, bar onde costumava tocar com sua banda toda sexta-feira.
O baixista, um de seus amigos mais antigos lhe deu uma carona, pois apesar de morar muito próximo ao bar, as doses que tomou ao longo da noite o levaram para um pouco mais longe.

O amigo apertou o número de seu andar e se despediu. Ao abrir a porta do elevador, ele percebeu que não lembrava mais qual porta era a sua. No escuro de sua mente ele buscava algo que pudesse lhe ajudar; enxergava alguns trechos de canções, um rosto estranho cercado por outros, uma risada bonita no ar, os olhos que tentavam roubar seus pedaços enquanto cantava, mas nenhum número clareava.
...62, talvez 62.

Ele tocou, ela abriu. Não se parecia com o estranho homem, magro demais, alto demais, obcecado demais por computadores e pouco demais por atividades higiênicas, com quem dividia o apartamento. Se bem que no estado em que se encontrava não seria muito estranho confundir.
Mas ela era linda. Até mesmo desfocada; e era tão ela que ninguém mais poderia ser. Aquela garota já tinha lhe visto antes, sabia quem era; chegou até mesmo a assistir sua banda tocar uma vez, por curiosidade. Ao abrir a porta ela não imaginava o que o havia levado até lá, mas sabia de todo o resto.
E ele entrou...

Na manhã seguinte ele já não queria mais encontrar sua porta. E assim foi por quase 7 meses, vivendo de forma assustadoramente plena, um sentimento de abundância afogava seus olhos; só isso bastava. Em sua mente embriagada, ele acreditava que finalmente havia encontrado o significado de amor.

Não, ele ainda não sabia completamente.

Depois de 214 dias dançando em uma dessas canções clichês, ele alcançou a superfície; deixou o ar irritar a face; foi seu primeiro choque de realidade.
Foi no 215º dia que com toda calma que conhecia, ela sibilou aquelas palavras afiadas, disse que não podia continuar, aquela canção havia terminado e era hora de se mudar; compor um novo romance. Ela foi... ele ficou.

No primeiro mês ele se sentiu surdo, o escuro que gritava por dentro era alto demais para que qualquer outro som pudesse ser ouvido. No segundo, ele passou a gritar junto com seu peito; uma nova melodia começou a nascer, ela era tão triste quanto ele acreditava ser, seu sabor era de angústia destilada. Finalmente no terceiro mês veio o apagão total, o peito parou; ele parou; o calor que exalava de sua mente simplesmente cansou. Sem dor, sem nada.
Fora de tom, era essa a definição exata. Ele estava oco.

Foram dois anos completos vivendo dentro desse abismo,cultivado diariamente, mas naquela sexta feira seu telefone tocou de forma diferente. Era o baixista, o show havia sido cancelado... ... ... ...As palavras que saiam do telefone pareciam zunidos, por um momento ele ficou observando os pequenos buracos por onde a voz chamava. Uma estranha combinação de palavras o fez despertar.

"Acho que ela voltou. Fui receber o pagamento do último show e tenho certeza que era ela que estava lá, uma risada cheia de melodia preenchia todo o espaço vazio do bar, enquanto as outras apenas riam. Espero que não seja um problema para você! "

" Ela? "





Silêncio.
E então, todos eles voltaram, todos de uma única vez.
Que sensação estranha era aquela, ele rugia, ele uivava, ele hesitou.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

O outro lado do sol

O outro lado do sol
Gabriela Prado


Já é bem tarde

O sol da perdição já nasceu

Já é bem tarde

O céu rosado se perverteu

Cheio de manchas, segredos, vaidades

O lado escuro da obscuridade

Festas de fadas, de ratas

Sujeiras, maldades

Tantos sonhos rasgados

Choros reprimidos, amores corrompidos

A dor já bateu cartão

E foi pro bar, porquê

Já é bem tarde, muito tarde pra sofrer

Cabelos rosas

Pêlos roxos

Olhos vermelhos, vidrados, quebrados

Esquecidos de saber

Ninguém pediu pra nascer


Mas quem nunca pediu pra morrer?

Gente pequena, triste, covarde

Ter medo de ser

Nojo de viver

Existir é uma fobia


Quem nunca caiu no chão,

no quarto

Chorou, gritou, rezou por um não

Agora já não se tem mais tempo

Nem pra perder, nem pra vender

Pois já é bem tarde

Tarde demais pra lembrar quem é você.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sem imaginação

Sem imaginação
Gabriela Prado





Desilusão

Que ofusca o teu raio

Que seduz de soslaio

Nosso eterno vai e vai sem prazer

Um mendigo miserável

Se arrastando por um centavo

Contentando-se com tuas sobras imundas

Que jamais vão satisfazer

Me agarro em mentiras

Repartidas entre mim e eu

E mesmo assim,

A solidão reprimida

De um poeta sem imaginação

Já não sofre nem canta

Balança no ritmo da dor só por falta de opção.