domingo, 23 de junho de 2013

De dentro


De dentro
Gabriela Prado

Se tivesse máquina dessas
Grande, moderna, poderosa
E mostrasse meu mundo inteiro de dentro
E expusesse assim,
Vitrine de mim.

Pingaria ponto novo ali no canto da tela.
É de corar pele pensar, eu bem sei.
Cada transeunte a passar... assistindo sem pena, sem fim.
E brota borrão, brota mancha ...
Chamaram desgosto,
Eu disse dor.

“Dor que brotou? Dor que pintou?” - ainda insistiu, voz curiosa.
“Dor que engoli”.

domingo, 26 de maio de 2013

Inacabado


Inacabado
Gabriela Prado

Levantei já assim, numa pressa meio besta.
Dessas que a gente corre e fica.
Corre sem pra onde, só se vai sem ter lugar, sem ter razão.

E diante dos meus olhos, vi assim, sem bem entender...
Algo novo, ainda que velho.
E que crescia e se esticava.
E que nascia e se ocupava. 
Se estendia por tudo que me fazia parte.

Abismo de incertezas... tão colorido, tão convidativo. 
Era quase bonito em sua magnitude dúbia. E me pedia e me puxava.
Me implorava com sua ironia, tão calmo ... 
Me agradava apenas ouvir, senti-lo existir... 

Se pudesse, sentava e olhava ... ali mesmo de longe... pra não ter risco de cair, risco de ficar.
Se pudesse, olhava apenas... ali de fora de todas as vontades, de todo aquele emaranhado de sentir e dissentir.
De tudo que era querer, meu ou seu, qualquer... de tudo que fazia doer. 

Queria única e egoistamente ver o belo de nós - em nós - sem ter que encarar os olhos úmidos de fim de cena. 
Nem drama, nem dor. Queria poder sugar toda a beleza, tudo o que era doce.
O mel quase natural com que cultivava tuas mentiras. 

Queria poder alimentar minha ambição inteira só com teu açúcar... extraí-lo do amargor natural da ressaca de você.
Queria overdose de sacarina, e desmaiar eternamente em um sorriso translúcido. Deixar que o prazer infinito assim se fizesse, me engolisse por inteiro.

E de tanto...
E de tão pouco...
Querer era querer demais.
E eu sabia.

Ainda coberta pela pressa inexplicável, corri.
Direção qualquer.
Precisava apenas abrir caminho.
Ponto de chegada.
Uma afirmativa verdadeira e certa, uma constante.

Mas incontestável era o salgar, consequente de uma expectativa fulminante e exacerbada - ou ainda melhor, 'descerebrada' - quando por um feixe tímido de luz é flagrada consciente. 
Ela sabe, sempre soube, ainda que mascarada pelo fantasma onipotente do teu querer. 

De tudo que é irreal, aflição maior é saber que datas de validade existem... e expiram. 
Sonho é prazer breve, efêmero. Dura o tempo único de um despertar... e então só nos resta a visão do que se pensou viver, em sua continuação, realidade. 

Fria como o lúgubre amanhecer... 
Madrugar cinza, insípido ... pois toda cor ficou em você, todo sabor, todo gostar.

Penso no que foi e no que há de ficar ... desatenta deixo pingar palavras soltas.. palavras lindas, infindas no papel. 
Pois de tudo que se espreme dor, se pinta também beleza. E de tão bonito que senti, descuidei... deixei que uma névoa dissimulada de mágoa me encurralasse também... 

...mas é névoa fina, o dia ainda há de clarear. 

Com o sol, sei que a vida outra vez esquenta. 
Das cores velhas que secaram, nascerão novos tons... 
E do vigor da renovação, melodia tenra se cria, nos alimentando e nutrindo na raiz de seu frescor.

Enfim a pressa encontra a calma. 
A paz clama pelo fim
E finalmente a restaura... 

Imersa em um conto sem pontuação, rabisco um rio de reticências. 
Deixo então que fique tudo aquilo que quiser ficar.
E que o passado passe e se alimente de toda sensação que for fraca demais para seguir, de tudo que for feito de medos e metades...
Que venham apenas as vontades compostas... completas.

O que tiver que vir, que venha por inteiro.

Hoje o mundo mudou um pouco.
Ou vai ver quem mudou fui eu.

E de tantas linhas imperfeitas, observo cansada.. engulo um impulso. Espero.

O próximo capítulo é coisa para mais tarde.

sábado, 25 de maio de 2013

Meio cheio


Meio cheio

Gabriela Prado

Simples assim.
Metades não completam inteiros. 
Disfarçam apenas, sem matar a fome.
Metade é algo perecível
É lembrança do que falta
É ausência camuflada de intenção.
Metade é boa atriz
É holograma
É aperitivo que distraí tão bem, 
Mas cansa...
Metade despida, é meia pessoa.
E meia pessoa, 
É pessoa nenhuma. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pássaro II



Pássaro II
Gabriela Prado


Passarinho que me canta
Vem baixinho
Voa manso. 

Se te pertenço é por engano
Tuas mãos são vazias 
Folha em branco.

Voa não,
Espera.

Cuida que hoje é dia de lua nova.
E da fase que fica, e de tudo que passa...
Cuida que medo não pensa,
E desfaz... e desdobra ...

Voa não, passarinho.
Que quando voltar, serão só palhas e pena.
Do ninho, buraco vazio
Da vontade, cova pequena.

Se importa, que nada é certo
Pássaro míope.
Mesmo o gostar, tem suas asas.

O que pensava ser de barro,
De areia fina feito era... e de tão frágil, tão delicada ...
Por entre os dedos deslizou... e escorreu... e escorregou.
Num sopro instável, se fez vento.

E por faltar solidez, virou solidão.



sábado, 20 de abril de 2013

'Cê que sabe



'Cê que sabe
Gabriela Prado


O ar faltou
Chamei baixinho
Quase que em suspiro
Que era pra ninguém mesmo ouvir.

E sem certeza
Meio em gemido, 
‘Cê respondeu.

Disse que assim que era,
E que bem que fosse.
Me encostou a mão fraquinho,
Pra ver se calma contagia.

Contagiou que inundou tudo,
E tudo de tudo 
De dentro de mim.

Só faltou pedacinho de nada,
Ali encostado no peito mesmo.
Cantinho pensante que se fez inquieto.

E contrário ao silêncio teu,
Me gritou um tanto 
Fez ‘té tremer.

Que assim que era,
Era que nada.
E de tanta calma,
Destilou medo.

Já nem sabia 
Qual que enganava
Se era só coração
Achando que de tudo 
Tudo se sabe.

Ou ‘inda pior.
Coisa de gente.
Se quer, se importa
Em querer saber.



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Ato nº 2


Ato nº 2

Gabriela Prado


Foi assim, como de costume, doce e áspero.
A luz quebrava o tom acinzentado de seu quarto, dourando os corpos soltos na cama, presos pelo sono, presos no lençol. Você ainda respirava baixo e ritmado, quase como se cantasse em sonho. Eu revezava o movimento dos olhos entre os dois grande eventos que aconteciam simultaneamente, a canção suave que saia de você e o número de dança logo ao lado. No qual, iluminados por um dos feixes de sol, pequenos pontos de poeira remexiam e deslizavam de forma graciosa ao som de sua melodia.
Meu braço esticou procurando por um relógio, ou jornal, algo que me provasse que o tempo era real, que não havíamos sido devorados por uma espécie desconhecida de triângulo das ilusões ou tropeçado em um universo paralelo. Pensei melhor, se fosse, deveria deixar ser então. Eu não precisava do tempo, preferia seu oposto.
Você parecia também não se incomodar, dormindo, suspirou. Logo seus olhos abriram sorrindo.
Eu sorri.
Era só uma manhã de outono.
Era minha manhã de outono. E se eu dissesse que já havia assistido cada passo daquela representação, mentiria.
Você percebeu meus olhos e o que apreciavam curiosamente. Mas sem o maestro para guiá-las já não tinham a mesma sincronia.
Puxada para perto do seu peito, aconcheguei meu rosto e desliguei a mente. Sem ao menos pensar, palavras saíram.
“Quem é você?” – perguntei, sem ter certeza se eu mesma poderia responder, e insisti – “Saberia responder, sem devaneios, sem divagações. Sem medo, ou receio de deixar-se ver. Saberia responder tal pergunta?”
Ele parecia não entender, talvez fosse apenas uma brincadeira, mas não sabia ao certo qual resposta daria. Eu percebi sua incerteza, os olhos calmos pareciam apenas confusos. Ele arriscou.
“O que você quer dizer? Você sabe quem eu sou. Sabe quem eu fui e provavelmente quem posso um dia me tornar. Mas não é essa sua pergunta. O que você realmente quer?”
Me divertindo com a situação continuei.
“Eu sei bem quem é você e essa nunca foi a questão. Mas às vezes te vejo embarcando dentro de devaneios tão imensos, que temo que não encontre o caminho de volta.” – repensei a próxima frase, a ideia não era ofendê-lo ou ao seu trabalho, mas precisava seguir. – “Em alguns momentos consigo notar a essência de sua alma perder-se em meio a intensidade de seus personagens. Vejo cada feição desfigurar-se, tal como em uma face de metal, na qual seus olhos, seu sorriso, curvam-se de forma delicada, dando vazão à outras formas, que já não posso reconhecer.”
“Você consegue perceber o quão absurdo é o que está falando? Cada uma das palavras ditas até esse momento, essas sim são devaneios. Não posso entender seu medo” – suspirou antes de prosseguir – “Que eu me perco dentro de meus personagens? Mas é exatamente para isso que sou pago. É exatamente isso que me faz tão bom quanto sou. O que importa não é quem eu sou quando em cima de um palco, e sim, aquele que volta para casa ao término do espetáculo. Esse sou eu e você sabe muito bem. De onde vieram tantas dúvidas, receios?”
Ele não conseguiria entender. Talvez não fosse nem mesmo ele falando, talvez fosse apenas um de suas falas ensaiadas.
Tentei uma última vez.
“O que temo não o fato de que você vá, e sim de que você não volte. Uma vez que atravesse o espelho, pode ser o suficiente para querer lá permanecer. Já quase me perdi por esses mundos mais de uma vez, sei bem o quão fascinante são as razões para ficar e isso você não pode negar. Uma vida fácil, vivida por momentos de encenação… não minta dizendo que não é algo tentador” – podia perceber sua feição se desfazer novamente, dessa vez nascia um rosto sério, a luz já não nos iluminava mais. Seu olhar era tão sombrio quanto a verdade pode ser, quando arrancada de dentro de nós e exposta contra nossas vontades.
Ele tentou se defender, mas eu o interrompi.
“Ontem uma de suas cenas despertou algo em mim, o que me incomodava ganhou finalmente forma, e eu pude entender. Seu personagem andava de um lado para o outro divagando sobre a verdadeira essência de cada ser. Mas aquele não era o personagem, aquele era você”
Sem argumentos para contestar, preferiu relembrar uma das falas do personagem a que me referia.
“Recita melodia branda, preenche toda a sala com teu som/ Despretensiosas palavras, desfazem-se em sílabas/ Exalam dos seus lábios, umedecem os meus/ Teus sentidos, esses fazem razão/ O tecido desliza, dança, assente à resposta certeira/ Convictos, satisfeitos, os corpos continuam o diálogo/ Já não há mais o que falar.” – ele sabia o que estava fazendo, melhor que lutar contra a realidade, era me dar apenas a resposta que eu precisava ouvir – “Você mesma disse, se aquele era eu, essas palavras pertencem também a mim. Se era o que você queria saber, esse então sou eu. Sem medo, ou receio de deixar-me ver, eu sou ele, sou aquele, sou cada um deles que subo ao palco. Se for para me perder, me perderei dentro de mim mesmo, mas isso todos fazem, você faz. Não há medo.”
Satisfeita, respirei fundo. E com a cabeça ainda apoiada em seu peito, deixei que as partículas dançantes guiassem meus olhos às profundezas do sono novamente. Não havia nada mais para se fazer. Era apenas uma manhã de outono.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Preto e Branco


Preto e branco
Gabriela Prado

Já sentada meus olhos se recusavam ao que era natural, abrir.
Abriram, e antes que o mundo pudesse clarear, fecharam.
"Desisto", foi o que tive tempo de pensar, logo a recepção tornou-se evasiva, o corpo despencou.
O cheiro macio de lençol me envolvia como um corpo fresco em um ato de parasitismo, como você, fagocitando a única parte boa que restava do meu todo ruim.
O grito ardido do relógio, que antes alfinetava minha paz, parecia mais uma sinfonia áspera, tal qual uma boa ópera urbana, agradável aos ouvidos devidamente apurados.
Já sem razão para lutar, suspirei em sinal de rendimento.
Bandeira branca.
Mas não era bandeira... era fronha.
Não, já não era fronha... era sonho.
Sereno devaneio. Branco como uma página vazia, uma tela que anseia pela gota de tinta que que a libertará de sua seca fumegante, libertará do tédio insonso de sua essência.
Chega então você, com as feições distorcidas e palavras coloridas, disfarçando intenções preto e branco.
Eu já sabia...
...preto e branco...
...Mas o toque da respiração deslizando, o calor da mentira na pele...
...subindo ... descendo...
... percorrendo terra de ninguém, ainda me fazia bem. Decidi aceitar, deixei mais uma vez que caísse sobre mim todo o peso da sua alma, e me esmagasse, me sufocasse. Cantei para você aquela canção que sempre te faz sorrir. E com a caricatura de sua risada ainda em meus olhos, encostei as pálpebras, descansando a vista acelerada, o peito confuso. Quando um sussurro gelado irrompeu a sanidade, cortando minha carne, causando dor.
Eu já sabia...
...sabia de tudo...
...Mas não era real, nem mesmo o saber.
Abriram- se os olhos, a luz invadiu a calma como uma garoa fina perfurando o céu negro, a boca acompanhou em um grito. Não vinha de dentro. O relógio insistia. Barulho irritante, indigesto.
Em vão seria adiar, forcei o corpo para frente, para cima. Mas o cansaço era maior, era físico, mental. Não era nem cansaço, era falta de vontade. Falta de coragem de encarar uma decisão tão solitária, um mundo novo no qual já não existia você.
Hoje não, decidi ficar.
A vida é longa o suficiente para que todo o desgosto seja vivido. Concedo-me então ao menos uma manhã de sonho.
Que venha a felicidade em parcelas, em fiapos. Não para mim. Não no meu mundo. Nosso.
Nele é tudo seguro, tudo é tão pleno. Não fosse pelo lúgubre despertar, irradiando o escárnio dos meus desejos, o rompimento da minha razão.
Se ao menos eu soubesse qual de tantas é de fato a razão dos lúcidos.
Um dia as explicações fizeram sentido, hoje parecem distantes demais para se entender.
Um dia, nesse mesmo quadro escuro existiram formas, mas você partiu levando-as embora, astro evanescente da minha imaginação.
Já não cabe mais tanta loucura em uma só existência.
Tenros delírios...
...gradualmente perdem sua graça.
Hoje sim, é preciso.
Para mais de uma realidade é necessário também mais de um ser, o que não cabe mais a mim. Já não sou capaz de recriá-lo, nem mesmo viver por você.
E assim, de maneira dúbia, conheço o fim. Sem saber se o abraço ou recuo em frente sua imensidão.
Outras chances não fugirão à nossa vontade. Somos bicho. Tudo é vontade. Como gatos esperamos por uma resposta certa nesse jogo das sete encarnações. Agora são seis.
Se vivêssemos em outra vida, tenho certeza que daria certo. Mas nessa já erramos demais.
Erramos um pelo outro, por nós mesmos. Erramos os segundos, as vírgulas, os soluços. Erramos por errar, por tentar.
Erramos desde o dia que pensei ter acertado, enfim, erramos por pensar, por muito, por pouco, nunca um meio disso.
Entre a sobriedade e a loucura, nos embriagamos no nada, vazio e viciante nada.
Hoje sim.
Depois de tanto tempo me proíbo a esperar, nem bem, nem mal, pois de você tudo são vírus, vermes em cavalo de tróia, que comem a carne e se afogam com os ossos.
Quem te deu esse direito divino sob a mente e o corpo alheio?
Me pergunto e assim permaneço, seduzida pela ignorância que proporciono a mim mesma.
Nos deterioramos em um vontade tóxica, ao aroma da fome. Nos entregamos sem culpa a um destino fantasiado, prometendo a nós mesmos a irrealidade desse gozo.
E assim apodrecemos como o lixo que nos tornamos, sem culpa, sem pena, sem sentir nada mais, a não ser o gosto sádico dessa orgia de egoísmos.
Mas se tudo fosse em outra vida, ai sim as coisas seriam outras.
Agora já sem palavras, resta o adeus. E o desejo sincero de um breve definhar, pois comigo espero que assim seja. Que a rispidez do mal querer perdoe nossos destinos, também nossos instintos. E que a tolerância a nossa condição, traga um dia a liberdade, de fato.