domingo, 26 de maio de 2013

Inacabado


Inacabado
Gabriela Prado

Levantei já assim, numa pressa meio besta.
Dessas que a gente corre e fica.
Corre sem pra onde, só se vai sem ter lugar, sem ter razão.

E diante dos meus olhos, vi assim, sem bem entender...
Algo novo, ainda que velho.
E que crescia e se esticava.
E que nascia e se ocupava. 
Se estendia por tudo que me fazia parte.

Abismo de incertezas... tão colorido, tão convidativo. 
Era quase bonito em sua magnitude dúbia. E me pedia e me puxava.
Me implorava com sua ironia, tão calmo ... 
Me agradava apenas ouvir, senti-lo existir... 

Se pudesse, sentava e olhava ... ali mesmo de longe... pra não ter risco de cair, risco de ficar.
Se pudesse, olhava apenas... ali de fora de todas as vontades, de todo aquele emaranhado de sentir e dissentir.
De tudo que era querer, meu ou seu, qualquer... de tudo que fazia doer. 

Queria única e egoistamente ver o belo de nós - em nós - sem ter que encarar os olhos úmidos de fim de cena. 
Nem drama, nem dor. Queria poder sugar toda a beleza, tudo o que era doce.
O mel quase natural com que cultivava tuas mentiras. 

Queria poder alimentar minha ambição inteira só com teu açúcar... extraí-lo do amargor natural da ressaca de você.
Queria overdose de sacarina, e desmaiar eternamente em um sorriso translúcido. Deixar que o prazer infinito assim se fizesse, me engolisse por inteiro.

E de tanto...
E de tão pouco...
Querer era querer demais.
E eu sabia.

Ainda coberta pela pressa inexplicável, corri.
Direção qualquer.
Precisava apenas abrir caminho.
Ponto de chegada.
Uma afirmativa verdadeira e certa, uma constante.

Mas incontestável era o salgar, consequente de uma expectativa fulminante e exacerbada - ou ainda melhor, 'descerebrada' - quando por um feixe tímido de luz é flagrada consciente. 
Ela sabe, sempre soube, ainda que mascarada pelo fantasma onipotente do teu querer. 

De tudo que é irreal, aflição maior é saber que datas de validade existem... e expiram. 
Sonho é prazer breve, efêmero. Dura o tempo único de um despertar... e então só nos resta a visão do que se pensou viver, em sua continuação, realidade. 

Fria como o lúgubre amanhecer... 
Madrugar cinza, insípido ... pois toda cor ficou em você, todo sabor, todo gostar.

Penso no que foi e no que há de ficar ... desatenta deixo pingar palavras soltas.. palavras lindas, infindas no papel. 
Pois de tudo que se espreme dor, se pinta também beleza. E de tão bonito que senti, descuidei... deixei que uma névoa dissimulada de mágoa me encurralasse também... 

...mas é névoa fina, o dia ainda há de clarear. 

Com o sol, sei que a vida outra vez esquenta. 
Das cores velhas que secaram, nascerão novos tons... 
E do vigor da renovação, melodia tenra se cria, nos alimentando e nutrindo na raiz de seu frescor.

Enfim a pressa encontra a calma. 
A paz clama pelo fim
E finalmente a restaura... 

Imersa em um conto sem pontuação, rabisco um rio de reticências. 
Deixo então que fique tudo aquilo que quiser ficar.
E que o passado passe e se alimente de toda sensação que for fraca demais para seguir, de tudo que for feito de medos e metades...
Que venham apenas as vontades compostas... completas.

O que tiver que vir, que venha por inteiro.

Hoje o mundo mudou um pouco.
Ou vai ver quem mudou fui eu.

E de tantas linhas imperfeitas, observo cansada.. engulo um impulso. Espero.

O próximo capítulo é coisa para mais tarde.

sábado, 25 de maio de 2013

Meio cheio


Meio cheio

Gabriela Prado

Simples assim.
Metades não completam inteiros. 
Disfarçam apenas, sem matar a fome.
Metade é algo perecível
É lembrança do que falta
É ausência camuflada de intenção.
Metade é boa atriz
É holograma
É aperitivo que distraí tão bem, 
Mas cansa...
Metade despida, é meia pessoa.
E meia pessoa, 
É pessoa nenhuma. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pássaro II



Pássaro II
Gabriela Prado


Passarinho que me canta
Vem baixinho
Voa manso. 

Se te pertenço é por engano
Tuas mãos são vazias 
Folha em branco.

Voa não,
Espera.

Cuida que hoje é dia de lua nova.
E da fase que fica, e de tudo que passa...
Cuida que medo não pensa,
E desfaz... e desdobra ...

Voa não, passarinho.
Que quando voltar, serão só palhas e pena.
Do ninho, buraco vazio
Da vontade, cova pequena.

Se importa, que nada é certo
Pássaro míope.
Mesmo o gostar, tem suas asas.

O que pensava ser de barro,
De areia fina feito era... e de tão frágil, tão delicada ...
Por entre os dedos deslizou... e escorreu... e escorregou.
Num sopro instável, se fez vento.

E por faltar solidez, virou solidão.